domingo, 21 de junho de 2015

A PEDRADA DA INTOLERÂNCIA

A pedra lançada contra a menina Kayllane Campos de 11 anos no último dia 14.06, no Rio de Janeiro, demonstra a emergencial necessidade de a sociedade brasileira discutir o tema da intolerância religiosa.

Não se pode mais acreditar que o Brasil é um país em que as diversas crenças convivem de forma pacífica e harmônica. Longe de ser um fato isolado, a agressão ao grupo de adeptos do Candomblé por “fanáticos”, demonstra que o limite da tolerância religiosa em nosso país já foi ultrapassado.

Quando pessoas, com bíblias nas mãos, se acham no direito e no dever de atacar pessoas que não comungam da mesma crença; quando uma bancada religiosa se instala no Congresso Nacional e tenta impor sua crença e influenciar as decisões de um Estado laico; quando temas envolvendo a ciência passam a ser censurados em razão da ideologia religiosa, é sinal de que o país está prestes a adentrar em sua própria “Idade das Trevas”.

Há tempos se é denunciado e noticiado ataques contra os templos e adeptos das religiões afro-brasileiras, por pessoas ditas "evangélicas", que com a bíblia na mão invadem, destroem, agridem e ameaçam templos e pessoas que não compartilham da mesma doutrina religiosa. Noticiou-se, inclusive, à pouco tempo, que no Complexo do Lins, no Rio de Janeiro, traficantes convertidos à seitas evangélicas, proibiram os moradores de usar roupas brancas nas favelas e os terreiros daquela comunidade tiveram que mudar de endereço.

Mas, de onde vem tanto ódio?

Líderes Evangélicos são unânimes em dizer que jamais incitaram seus fieis à realizar qualquer ato de violência contra pessoas de outras religiões. Todavia, entre o discurso e a prática existe uma grande distância. Ressalta-se, para não generalizar, que existem segmentos evangélicos que pregam a tolerância e a paz com as demais religiões e que procuram seguir de forma verdadeira os ensinamentos de Cristo.

Mas, infelizmente, não é necessário realizar grandes esforços para encontrar nos canais do “youtube” ou na própria programação de TV, vários programas de “seitas evangélicas” proferindo discursos denegrindo a imagem das religiões afro-brasileiras e associando seus adeptos à “adoradores do diabo”.

Inclusive, um desses líderes, hoje deputado federal, chegou a “profetizar” o sepultamento de todos os pais e mães de santo do Brasil e o fechamento de todas as casas de “macumba”.
Outra seita, que ganhou notoriedade após protagonizar o famoso “chute na santa”, possui em sua programação um quadro exclusivo de pessoas denominadas de “ex-bruxos” que prestam depoimentos afirmando que quando freqüentavam as religiões afro-brasileiras eram adeptos do “demônio” e praticavam o mal.

Isso, sem contar as diversas novas seitas que ocupam a programação de rádio/televisão que, além de explorar financeiramente seus fieis, utilizam-se de nomes, objetos e instrumentos sagrados das religiões afro-brasileiras para associá-las aos demônios e a maldade. Inclusive muitas dessas “entidades” manifestadas no grande “teatro” dão entrevistas, pedem dízimo e se identificam como a razão dos problemas na vida das pessoas.

Pois bem, é evidente que, ainda que não haja um discurso direto de ódio, tais seitas evangélicas (deixo claro que não são todas) disseminam o diariamente o ódio aos adeptos e elementos das religiões afro-brasileiras. Ou seja, ainda que não incitem seus fieis a agredir outras pessoas, eles incutem no psicológico dos mesmos que tais “demônios” são responsáveis pelo mal e o sofrimento da humanidade e que devem ser combatidos, pois “é dever do cristão combater o inimigo”.

Tal mensagem, indubitavelmente, faz com que o fiel, em especial o de baixa escolaridade, tenha a certeza de que os Orixás e entidades das religiões afro-brasileiras são de fato demônios, e seus adeptos são adoradores deles e, portanto, devem ser combatidos.

A alienação e a manipulação da fé, fez com que se organizasse no Brasil a chamada “Bancada Evangélica”, a qual tenta a todo custo impor os conceitos de sua crença ao Estado, que na teoria é laico, e perseguir as chamadas “minorias” (negros, gays, índios, sem-terras, não cristãos, etc.). Exemplo maior disso, é a ridícula proposta de tipificação da “cristofobia” em verdadeira vingança ao projeto apresentado pela criminalização da “homofobia”.

Mas, no que tange a intolerância religiosa, o que poucas pessoas sabem e que pouco se divulga, é que a mesma está enraizada no próprio racismo, decorrente do longo período de escravidão ocorrido Brasil.

É espantoso saber que há pouco mais de 127(cento e vinte e sete) anos atrás, neste país, o negro era tido como animal. Não possuía “alma” - segundo a igreja - e era vendido como qualquer outro ser irracional. Portanto, se não respeitavam sua dignidade como humano, como se poderia esperar respeito à sua cultura e religiosidade? Suas práticas religiosas eram tidas como abomináveis e se não seguiam os princípios da igreja, só poderiam ser adoradores do demônio.

Com o fim da escravidão, o negro passou a ser reconhecido como humano, porém os ecos das ofensas, discriminações e humilhações teimam em soar até hoje.

Pessoas ilustres, brancas, da alta sociedade, se renderam a religiosidade Africana, mas isso pouco mudou a concepção embutida na sociedade de que tal prática é contrária as “leis de deus”.

Aproveitando-se de tal preconceito, algumas das seitas evangélicas, em especial as chamadas neo-pentecostais, no intuito de atrair fieis e ganhar popularidade, passaram a reproduzir as inverdades do tempo da escravidão e os Orixás e guias das religiões afro-brasileiras voltaram a ser associada aos demônios. Contudo, se esquecem os propagadores de tais absurdos que o demônio é uma figura própria do cristianismo. Na religiosidade afro-brasileira inexiste a concepção de inferno e demônios.

Tais seitas afetam de tal forma o psicológico dos fieis, que os mesmos passam a acreditar que estão em “guerra” e que devem eliminar, à todo custo, "a obra" e os adeptos do “demônio”. Isso explica os ataques gratuitos, as destruições de templos e as inúmeras pedradas que diariamente atingem o chamado Povo de Santo.

É necessário repensar a questão das concessões de rádiodifusão para seitas religiosas, visto que muitas delas destinam-se exclusivamente à propagação do ódio e discriminação, além é claro, da arrecadação de dinheiro a seus líderes. Outra medida essencial, seria o fim da imunidade tributária religiosa, visto que tais igrejas são utilizadas para a realização de “lavagem de dinheiro” e financiamento de campanhas de candidatos fundamentalistas.

Essas, entre outras medidas, devem ser discutidas de forma emergencial, pois caso contrário, correr-se-á o risco da democracia brasileira se tornar uma “teocracia fundamentalista”, uma versão cristã do Estado Islâmico.

Por Jefferson L. Grossl

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