O
brutal assassinato de George Floyd por um policial branco no dia 25 de maio de
2020 na cidade americana de Minneapolis, acarretou uma onda de protestos no
mundo. Parece que após um longo período de conivência e tolerância, a população
mundial se conscientizou da necessidade de combater o racismo estrutural
existente em nossa sociedade.
Todavia,
aproveitando o interesse social quanto ao tema, é oportuno trazermos para o
debate o chamado “racismo religioso”,
como foi definido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso
Extraordinário n. 494601 no ano de 2019.
O
racismo é definido, segundo o dicionário infopédia[1] como: (i) teoria sem quaisquer fundamentos científicos que defende a
existência de uma hierarquia entre grupos humanos, definidos segundo caracteres
físicos e hereditários como a cor da pele, atribuindo aos grupos considerados
superiores o direito de dominar ou mesmo suprimir outros considerados
inferiores; (ii) Atitude
preconceituosa e discriminatória contra indivíduos de determinada(s) etnia(s).
Portanto,
esclarece-se de início, que qualquer pessoa pode ser vítima de racismo e não
apenas determinados grupos. Basta a existência de qualquer tipo de distinção,
superioridade, julgamento, entre pessoas, assim como aconteceu com os Judeus na
Alemanha Nazista e na África do Sul durante o Apartheid.
No
Brasil, o racismo permanece incutido no consciente da sociedade. Isso porque,
há apenas 132 anos a escravidão foi abolida. O Brasil foi o último país das américas
a abolir a escravidão. A elite brasileira lucrou muito com comércio de cativos
da costa da África, bem como prosperou devido aos trabalhos forçados no qual os
mesmos eram submetidos.
Segundo
a visão da época, inclusive balizado pela Igreja Católica, o negro não tinha
alma. Era um ser análogo a um animal, podendo ser vendido, castrado, abatido,
estuprado, entre outras crueldades.
Após
a abolição da escravatura, o Brasil nada fez para reparar os danos decorrentes
do período da escravidão, simplesmente, deixou a população negra vivendo à sua
própria sorte. Não à toa, a etnia negra ocupa a maior porcentagem entre os
pobres no país, o negro ganha o menor salário e também ocupa a primeira posição
na população carcerária.
Ora,
se há 132 anos atrás o negro não era respeitado como humano, o que dizer de sua
cultura e religiosidade? Desde a colônia e império o negro foi desprezado, sua
cultura ridicularizada e sua religiosidade demonizada.
Apenas
132 anos se passaram da abolição da escravatura. Contudo, suas chagas e ecos
permanecem vivas no Brasil. Basta ver o preconceito que existe em face dos
adeptos das religiões afro-brasileiras, em especial da Umbanda e o Candomblé.
Nem
o fato de seus adeptos serem brancos, afasta o preconceito e discriminação
herdada por nossos ancestrais africanos. O fato de se tocar um tambor, de
cultuar um ponto da natureza, de usar uma miçanga ou um pano na cabeça, é
suficiente para ser verbal e fisicamente agredido.
Quem
nunca presenciou uma pedra sendo jogada no telhado ou na porta do templo quando
a sessão religiosa teve início? Quem nunca sofreu com olhares discriminatórios
quando se apresentou como Umbandista ou Candomblecista? Quem nunca teve que
suportar calado piadas de mau gosto envolvendo a religiosidade afro-brasileira?
O
jargão “chuta que é macumba” viralizou no Brasil, como se fosse algo natural,
chutar, destruir, pisar na religiosidade alheia. Como se fosse um direito do “cristão”
branco, “enfrentar” manifestações religiosas diferentes da sua.
E
aprofundando ainda mais, constata-se que os próprios espíritos que se
apresentam como negros, sofrem racismo daqueles que se dizem seguidores do Cristo.
Não faltam relatos de entidades que se apresentam como pretos e pretas velhas em
centros espíritas e são “expulsos” por serem ignorantes, sem que lhes sejam dado oportunidade de deixarem suas mensagens. Ou ainda, são “doutrinados”
pelos dirigentes da casa, que os ensina que “não mais possuem cor, nem idade”,
em total contradição com a manifestação de espíritos brancos, doutores, que se
manifestam da forma que querem sem qualquer tipo de reprovação.
Também,
dentro da própria Umbanda notamos o inconsciente racista quando se tem aversão
as influências africanas na religião. O Orixá deixa de ser uma manifestação
africana e passa a ser um ser aleatório do Universo. Já ouviram a expressão “orixá
não tem cor”? O Preto e Preta Velha, para ser aceito, deve ser “manso”, extremamente
curvado e disposto a atender qualquer solicitação. Ou ainda, quando se diz que
o Preto Velho é um mentor branco, um mago oriental da Atlântida e Lemúria ou
qualquer outra coisa que não um ancestral africano.
Mas,
no que se refere especificamente no racismo religioso, podemos observar que o
mesmo acontece todos os dias, sem qualquer medo ou pudor. Basta assistirmos
canais de TV concedidos à algumas denominações evangélicas, para ver os atos de
racismo contra entidades, orixás e elementos da religiosidade afro-brasileira.
Em
geral, tais igrejas associam as religiões afro-brasileiras ao “diabo” ao mal. E
o pior, incentivam seus adeptos a invadir terreiros, a atacar seus seguidores, fazendo-os
acreditar que estão diante de uma “guerra santa” entre o bem e mal. Tal fato
chocou “momentaneamente” a sociedade quando foram divulgadas imagens de
traficantes evangélicos expulsando pais e mãe de da favela, destruindo seus
templos e declarando que aquele morro era de "Jesus"!
Nesse
contexto, devemos também lutar por igualde. Não podemos nos calar ante os atos
de racismo religioso cometido contra nosso povo. Não podemos aceitar calados a
preferência do poder público por uma religião em detrimento de outras. A
religiosidade afro-brasileira deve ser assumida, vivenciada e vista como uma
religião igual as outras.
Se não
lutarmos pela nossa fé, quem vai lutar?
Avante
filhos de fé!
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