quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

OFERENDAS NA UMBANDA


Abordaremos nesse texto um dos atos de fé mais comum dentro da Umbanda: A Oferenda.

Oferenda é definida no dicionário [1] como objeto que se oferece. Donativo oferecido a Deus ou aos santos; dádiva. Portanto, oferenda se origina da palavra ofertar e seu significado lógico é ofertar algo ao Sagrado.

O objetivo deste pequeno texto é trazer uma explicação sobre as oferendas, sua importância na liturgia umbandista e seu correto preparo, sob a ótica de nossa Tenda.

De início, importante destacar que o ato de oferendar o Sagrado é comum em todas as religiões e em todos os tempos. Desde as tribos indígenas, povos africanos, indianos, chineses, japoneses, hebreus e povos europeus, dentre outros era comum ofertar algo material para o Sagrado, independentemente do nome ou liturgia adotada por cada povo.

O povo hebreu, por exemplo, ofertava cordeiro à Jeová, como forma de expiação de seus pecados no ano. A oferta de frutas, incenso e flores também era comum entre os Gregos, Romanos e Hindus. A prática da oferenda também está presente dentro do cristianismo, todavia, o mais comum, é a oferta em dinheiro.

Pois bem, dentro da Umbanda, religião brasileira que possui em sua raiz a religiosidade afro-ameríndia, a prática da oferenda é marcante em sua liturgia, sendo uma verdadeira exteriorização da fé. Ao ofertar algo aos Orixás ou entidades, o devoto abre um elo de ligação mental com aquela energia, entregando elementos que serão manipulados e utilizados em seu benefício.

Não, Orixá e entidades não se alimentam das oferendas! Eles absorvem o fluído daquela oferenda, o "prana", o axé. As energias retiradas daqueles elementos, como dito acima, são manipuladas e utilizadas em favor daquele que realizou a oferta. 

Nem mesmo o charuto ou bebidas são consumidas pelas entidades. São elementos utilizados com uma finalidade específica dentro das sessões e não para "saciar" a vontade das entidades. Até porque, por serem guias com maior evolução, já estão libertos de hábitos terrenos e não são espíritos viciados no álcool ou fumo. Por isso, dentro de nossa Tenda existe um rígido regramento para utilização desses elementos, a fim de evitar a banalização dos mesmos, como, infelizmente, constatamos em muitos lugares.

Dentro da tradição Yorubá, as oferendas realizadas sobre ou ao lado dos assentamentos  têm por objetivo "alimentar" o Orixá. Porém, esse alimentar se refere também na questão energética. Ou seja, repor a energia, renovar a energia daquele assentamento.

Assim, dentro da Umbanda, as oferendas também possuem essa função de repor, renovar, evocar as energias, o axé, para que os Orixás e guias consigam agir em nosso benefício. Quando realizamos oferendas aos Orixás dentro da Tenda, estamos renovando o axé da mesma, estamos entregando ao Sagrado elementos que irão fortalecer as defesas da casa, os trabalhos realizados e a própria energia dos filhos de fé. 

Sabe-se que com o passar do tempo, com os atendimentos realizados, descarregos, desobsessões, a energia ambiente vai se desgastando, razão pela qual é necessária a renovação dos elementos para a sua fortificação e extirpação de miasmas astrais.

Pois bem, sabemos que os Orixás estão na natureza, portanto, habitam todos os seus reinos, vegetal, mineral e animal. Essa é a razão pela qual existem folhas de um determinado orixá, pedras de um determinado orixá e animais de determinados orixás. Trata-se de um conhecimento ancestral, no qual se reconhece a existência da partícula daquele Orixá dentro de um determinado elemento.

Assim, quando uma pessoa está doente e se pede uma oferenda pedindo sua saúde. Os elementos utilizados nessa oferenda contém o axé do Orixá da Cura, que é manipulado em favor do doente. Assim, a força daquele Orixá irá atuar sobre o doente, descarregando-o, limpando-o e curando-o. O mesmo ocorre em todas as situações da vida, caminhos fechados, injustiças, questões amorosas, etc.

Todavia, não podemos olvidar que a oferenda não é uma barganha ou uma imposição mágica. Trata-se de elementos que, como dito, irão auxiliar a pessoa em uma determinada situação. Contudo, deve haver merecimento e ser respeitada a vontade de Zambi, o Criador.

Ou seja, se uma pessoa passou a vida toda tendo uma vida desregrada, comprometendo a saúde de seu corpo físico, as moléstias serão inevitáveis. E não será através da oferenda que ele encontrará a cura. A cura nesse caso virá através da adoção de hábitos saudáveis. 

A pessoa que é trapaceira, que frauda, que engana, que tenta se beneficiar de outrem a todo custo, não será "salvo" por uma oferenda a Xangô quando a Justiça bater à sua porta. A pessoa que é acomodada, não possui afinidade com o trabalho, com o estudo, com o progresso pessoal, não pode esperar que uma oferenda à Ogum mude sua vida do dia para a noite.

Por isso, as oferendas dentro da Umbanda são utilizadas com fins energéticos e não salvacionistas. Evocamos a energia de um determinado Orixá, oferecemos elementos que lhe são sagrados para que a energia deles seja utilizada em nosso benefício ENERGETICAMENTE e não materialmente.

Além disso, ao oferendar o Sagrado, esse ato de fé deve ser de coração e não por obrigação, muito menos para chamar a atenção. Como ensina o Caboclo Flecheiro, guia chefe de nossa Tenda, as vezes uma vela branca acessa com fé e amor é muito mais valiosa do que uma oferenda rica em detalhes, mas vazia de sentimento. 

Ainda, não podemos esquecer a lição de Jesus trazida no Evangelho de Mateus 5:23-24: "Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta."  Ou seja, para agradar ao Sagrado, deve-se estar com o coração puro e cheio de amor e bons sentimentos. Se carrega o ódio, a inveja, a cobiça, a maledicência dentro de si, a oferenda será inócua, vez que as forças sagradas não são compatíveis com a negatividade do indivíduo.   

Passaremos agora a falar especificamente sobre as oferendas dentro da Umbanda realizadas em nossa Tenda. 

Utilizamos dentro da Tenda oferendas de frutas, velas, bebidas, comidas típicas, e elementos específicos a cada Orixá e Linha de Trabalho.

As frutas ofertadas devem ser obrigatoriamente cortadas, a fim de facilitar a extração da energia da mesma (prana). Ao entregar uma fruta inteira, sem cortar, a mesma irá apodrecer antes da casca ceder, tornando inutilizável a mesma para fins de manipulação energética. Além disso, quando realizadas dentro do terreiro, em alguidar, deve ser descarregada com no máximo 7 dias, a fim de evitar o mal cheiro. Quando for entregue na mata, as frutas devem ser colocadas sempre em cima de folhas, como por exemplo a de bananeira, o que facilitará a decomposição natural da mesma. Jamais se deve deixar alguidar de qualquer espécie em ambientes externos, já que impedirá a natural decomposição dos elementos e causará mal cheiro.

As velas utilizadas nas oferendas podem ser de 7 dias ou palito. As cores irão variar do Orixá ou Linha de Trabalho, sendo a cor branca universal, podendo ser utilizada para qualquer Orixá e Linha, inclusive as de esquerda. Ao acender a vela, o médium deve mentalizar o Orixá ou Linha, pedir que aquela luz seja espelhada em sua vida, que lhe guie na escuridão, que lhe seja o farol para caminhar. Como sempre é ensinado, Orixá e entidade não precisam de vela. A luz é para nós mesmos! O que se faz é pedir ao Orixá/Guia que energize essa vela e que ela possa iluminar seu pensar e caminhar. De nada adianta apenas acender a vela e sair. Ou ainda, acender a mesma pensando em outras coisas. É necessário a concentração, a oração, a entrega. Por questões de segurança, sempre deve ficar atento ao local em que se está acendendo a vela. Nunca acender próximo a móveis, tecidos, palhas. Na mata, jamais acender velas em locais onde pode desencadear incêndios.

As bebidas também vão variar do Orixá e Linha para o qual se está ofertando. Por exemplo: Oxalá - água mineral; Ogum - Cerveja Pilsen; Xangô - Cerveja Preta; Oxossi - Vinho/Cerveja; Iemanjá, Iansã, Nanã e Oxum - Champanhe/Moscatel; Obaluaê/Omulú - Vinho tinto. Essas bebidas, quando a oferenda é realizada no terreiro, devem ser colocadas em copos ou taças. Deve-se evitar deixar lata ao lado da oferenda, devendo a bebida ser toda colocada na oferenda. Jamais deve se utilizar o plástico. Após o período de, no máximo, 7 dias, a bebida deve ser descarregada no jardim ou na rua. Quando ofertados em pontos da natureza, deve ser despejado no chão, não deixando qualquer vidro ou copo no local.

As comidas típicas são influências diretas do candomblé. Assim, deve se observar com rigor os elementos, o modo de preparo, a fim de que seja feito conforme a cultura ancestral. Essas comidas possuem elementos que agradam os Orixás, os quais, absorvendo a energia das mesmas devolvem em axé para quem a realizou. Da mesma forma, quando realizado na Tenda, a comida deve ficar no máximo 7 dias. Após, deve ser descarregada. Quando entregue na natureza, jamais deve ser colocada em recipientes de plástico, vidro e outros que impeçam sua decomposição natural.

No que tange as oferendas para a Linha das Crianças, deve-se sempre se optar por doces tradicionais, como por exemplo: cocada, pé-de-moleque, paçoca, suspiro, etc. E evitar doces modernos. Ao ofertar balas, deve-se descacar a bala, pela mesma razão que se parte as frutas. A bala dentro da embalagem impede a extração do doce, tornando a oferenda inócua.

Já para a Linha de Esquerda, é comum a oferenda com padê (farinha da mandioca com dendê) padê doce (farinha de mandioca com mel), ebó (fubá fino com cachaça), frutas vermelhas, flores, perfumes, carne crua, moedas, rolo de fumo, búzios, etc. Geralmente são realizadas dentro das tronqueiras (casa de Exu) da Tenda. Apenas em casos muito específicos, são realizados em locais públicos como encruzilhadas e cemitérios.

Com relação ao perfume, que pode ser também entregue as Yabás (Orixás Femininos), deve-se sempre espargir sobre a oferenda e deixá-lo aberto ao lado. Quando realizado em ambiente externo, deve-se espargir no local (ou despejá-lo por inteiro) e nunca deixar o frasco ao lado, devendo o mesmo ser encaminhado ao lixo.

Ao realizar a oferenda, após acender as velas, deve-se bater cabeça ao Orixá dono da oferenda. Deve-se orar ao mesmo, pedindo o que precisa ou agradecendo. Sempre lembrando que não se trata de barganha, mas sim de manipulação energética que será revertida em seu favor se for merecedor.

Espero ter contribuído para o esclarecimento do tema, ainda que de forma sintética foram abordados temas elementares a prática de oferendas dentro da Umbanda.

Axé! 
 
   



[1] RIOS, Dermival Ribeiro. Grande dicionário unificado da língua portuguesa. São Paulo: DCL, 2010, p. 490. 

T.U. Filhos da Vovó Rita

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