domingo, 14 de junho de 2020

AS 7 LINHAS DA UMBANDA TRADICIONAL - 1ª LINHA - LINHA DA FÉ

Este é o primeiro de diversos textos onde vamos conhecer a fundo as 7 Linhas de Umbanda da perspectiva tradicional, ou seja, a configuração das 7 Linhas pela perspectiva dos velhos Umbandistas e primeiros estudiosos da religião.

Todas as informações trazidas aqui se baseiam nas obras de Leal de Souza, Lourenço Braga, Diamantino Fernandes Trindade, alguns autores Umbandistas contemporâneos e também experiências pessoais.

O propósito desses textos é buscarmos conhecer as raízes da nossa religião, entendendo de onde surgiu cada Linha, quais seus propósitos e especificidades, fazendo uma comparação com o que observamos nos atualmente nos terreiros.

Esperamos contribuir para o entendimento e esclarecimento dos irmãos de fé!

A Primeira Linha de Umbanda - A Linha da Fé

O objetivo deste texto é simples: Apresentar e aprofundar o conhecimento sobre a Linha mais importante da Umbanda, a Linha da Fé.

  • A regência da Primeira Linha:


Para entendermos a primeira Linha precisamos primeiramente entender como e por que as 7 Linhas foram configuradas.

Resumidamente as 7 Linhas de Umbanda são uma forma de organizar os espíritos que militam na Umbanda de acordo com suas especificações e trabalhos que vão realizar dentro do ritual.

Essa forma de organização surgiu de uma maneira muito primitiva nos primeiros anos de Umbanda na Tenda Nossa Senhora da Piedade, comandada por Zélio Fernandino de Moraes e com o passar dos anos foi assumindo uma configuração cada vez mais clara, onde cada espírito apresenta uma especificidade e razão dentro do trabalho de Umbanda.

A sua configuração mais aceita pela Umbanda tradicional, é aquela baseada nas organizações Militares Romanas antigas, ou seja, a configuração onde os espíritos são divididos em 7 Linhas, que se desdobram em 7 Falanges, 7 Legiões e assim por diante.

Cada Linha dentro da Umbanda Tradicional é regida (ou gerenciada) por um Santo que posteriormente foi associado aos Orixás Yorubás, devido a questões de sincretismo.

Segundo a Umbanda Tradicional a regência da linha da fé é feita por Jesus Cristo, o Verbo Encarnado.

Nesse caso, é importante abrir um parênteses e frisar que a Linha da Fé (no entendimento mais antigo de Umbanda) é regida por Jesus Cristo e não por Oxalá.

E NÃO, OXALÁ NÃO É JESUS E JESUS NÃO É OXALÁ!

Oxalá é um dos Orixás Primordiais na cultura Yorubá, ou seja, NUNCA TEVE UMA ENCARNAÇÃO TERRENA. Inclusive é tido como Orixá Primordial pois junto com Ifá, Ogum, Exu e Ori foi responsável para Criação do mundo na visão Nagô-Iorubá.

À Oxalá  foi dado por Olodumaré (Deus) a tarefa de criar a terra e os seres humanos.

É uma divindade que se torna mais presente dentro da Umbanda na medida em que adeptos do Candomblé Nagô começam a migrar para Umbanda entre as décadas de 1940 e 1950.

Já Jesus Cristo, como todos conhecemos, é considerado o filho de Deus pela cultura cristã. Teve uma encarnação terrena e se santificou na Cruz, sendo hoje a figura mais influente de todos os tempos.

Seus ensinamentos moldaram o pensamento Cristão e servem até hoje como base para inúmeras religiões, inclusive a Umbanda, que é independente de suas raízes africanas e indígenas uma religião Cristã.

Por mais que Oxalá e Jesus sejam figuras distintas, ambos trabalham sob as mesmas dominâncias o que gera o chamado sincretismo religioso, fazendo com que muitas pessoas acreditem que são a mesma divindade.

Os aspectos que as duas divindades regem são a Fé, a Pureza, o Amor Incondicional, a Elevação Espiritual, a Paz, a Religiosidade, a Clareza Mental, a Calma, a Paciência, dentre outros.

Por mais que ambos tenham domínio sobre os mesmos aspectos e por mais que a força do Orixá Oxalá esteja presente de forma intensa na primeira linha, os Umbandistas mais antigos tinham o entendimento que não era Oxalá que regia a primeira linha mas sim Jesus Cristo.

E isso faz total sentido afinal a primeira Linha é composta por espíritos que em sua vida foram praticantes de religiões cristãs tradicionais, como veremos a seguir.



  • Quem compõem a Primeira Linha?


Independente de qualquer crítica que você possa ter com a Igreja Católica enquanto instituição, é inegável que a MAGIA CRISTÃ é uma das mais fortes e antigas formas de trabalho espiritual que existe.

Através da intervenção dos Santos, das orações, batismos, novenas, rezas, exorcismos e diversas outras práticas que a Igreja Católica propagou durante os seus séculos de existência, muitas pessoas foram curadas e tiveram sua vida transformada.

Resumindo: Os Santos, Padres, Freis, Freiras e demais espíritos que em vida foram Cristãos Praticantes têm um poder mágico oculto GIGANTESCO… E sim, esse poder veio para a Umbanda através da primeira linha.

Portanto os espíritos que compõem a primeira Linha são muito conectados às práticas da Igreja Católica. São espíritos que, quando encarnados, tiveram uma vida monástica e abnegada, vivendo pelos ensinamentos de Cristo.

Trazem consigo toda uma Magia Cristã oculta, através das orações, conjuros, benzimentos e outros formas de trabalho como conheceremos mais a frente nesse texto.




  • A função da Primeira Linha:

    A Linha da Fé é tida como a linha primordial da Umbanda, dela nascem as bases que guiam o trabalho de um terreiro.

    As bases filosóficas e valores da religião, tais como: Fé, Amor e Caridade e também as bases práticas do trabalho como a arte do Benzimento, as Orações, Rezas, Conjuros e outras habilidades tão necessárias para qualquer médium que queira trabalhar ativamente na Umbanda, estão presentes na Linha da Fé.

    Os espíritos desta linha tendem a não trabalhar incorporados e não realizam consultas e isso ocorre por dois motivos:
  1. Essa linha realiza um trabalho de Suporte espiritual, ou seja, atua no astral auxiliando os trabalhos que são realizados.
  2. Essa linha é a responsável pela PREPARAÇÃO dos médiuns para o trabalho de Umbanda.
A Linha da Fé, justamente por ser a primeira, foi concebida para ser a força base dos médiuns de Umbanda. Nela através da força dos Santos e o Ritual da Semiromba os médiuns recebem a orientação necessária para seu trabalho prático dentro da religião.


É interessante perceber que segundo a visão de alguns autores, algumas Linhas de trabalho surgiram a partir da Linha da Fé. Esse fenômeno ocorre pela popularização da Linha com o passar dos anos. 


Como exemplo desse fenômeno podemos colocar:

A Linha de São Jorge (Ogum) que nasce dentro da Falange de Santo Expedito mas que com o passar dos anos se desdobra em um trabalho autônomo formando a 6ª Linha de Umbanda.

A Linha das Crianças que surge da Falange de São Cosme e Damião e em alguns terreiros também se torna um linha de trabalho autônoma.

A Linha dos Pretos-Velhos e de Baianos, que em um primeiro momento estavam inseridos dentro da Falange de São Benedito mas que posteriormente formaram a chamada Linha das Almas ou Linha Africana.


A Linha do Oriente que começa a se formar a partir da Falange de São Francisco de Assis e que posteriormente ganha autonomia gerando a 3ª Linha de Umbanda.


Enfim, esse fenômeno ocorrem devido a expansão da religião, que fez com que os espíritos que estavam inseridos dentro da primeira linha passassem a realizar um trabalho mais “autônomo” se organizando em novas linhas e falanges na medida em que uma maior quantidade de espíritos de diferentes culturas passaram a se manifestar na Umbanda.

Agora que você já entende a função da Primeira Linha está na hora de se aprofundar em cada uma das falanges que compõem a Linha da Fé.


  • A Falange de Santo Antônio



Santo Antônio de Paduá, tido popularmente como o “Santo Casamenteiro”, é o comandante da primeira falange da Linha da Fé na Umbanda.

É um dos santos mais populares em território brasileiro sendo cultuado e festejado em diversas ocasiões. A principal delas talvez seja a festa de Santo Antônio geralmente realizada no dia 13 de Junho em diversos locais do país.

Também é uma figura muito presente em diversos cultos brasileiros. No Catimbó, por exemplo, Santo Antônio de Batalha ou também conhecido Santo Antônio de Pemba é uma das forças mais evocadas nos trabalhos, sendo inclusive um dos santos de devoção do grande Mestre Zé Pelintra.

Curiosamente Santo Antônio também é extremamente popular em algumas regiões da África atualmente, principalmente regiões que no passado eram dominadas por povos da cultura Bantu.

Isso se dá pois antes mesmo do período em que os povos Africanos foram escravizados e trazidos para o Brasil, os povos de origem Bantu em um primeiro contato com a cultura Cristã Européia ficaram maravilhados com os aspectos desse Santo, acolhendo ele em seus cultos religiosos e evocando a força de Antônio em suas práticas.

Isso fez com que ao chegar ao Brasil, nossos ancestrais africanos já tivessem um grande apreço por essa figura e com o passar dos séculos essa devoção foi se tornando algo latente no inconsciente coletivo do nosso país.

Portanto, não é de se estranhar que esse Santo esteja tão presente em diversas religiões brasileiras.
Já como comandante da primeira falange na Linha da Fé, Santo Antônio traz alguns aspectos bem específicos.

Em vida foi conhecido como “O Martelo dos Hereges”, isso devido a sua grande capacidade de retórica, argumentação e o seu grande conhecimento sobre a Doutrina Cristã;

Em seus sermões e homilias era considerado implacável e costumeiramente juntava centenas de pessoas em suas palestras.

E é justamente esse aspecto que Santo Antônio traz para a Umbanda: Doutrina e Firmeza.

Os falangeiros de Santo Antônio geralmente se apresentam como Freis, Freiras e Monges e trazem nomes como Irmão Miguel, Irmão Samuel, Irmã Beatriz, etc...

Sua principal função dentro do trabalho de Umbanda é inspirar os médiuns através da intuição para que possam guiar e orientar os consulentes com convicção e argumentação impecável.

Como é a primeira falange, sua função é guiar os médiuns em uma reforma íntima e uma doutrina que lhes permitirá ter a tão falada FIRMEZA necessária para o trabalho.

Do lado espiritual atuam controlando os espíritos perturbadores que querem atrapalhar a gira e auxiliam nos trabalhos de doutrinação dos espíritos.

Os médiuns que buscam a Reforma Íntima e que desejam desenvolver um conhecimento aprofundado sobre a religião podem evocar a falange de Santo Antônio para que estes o guiem neste caminho.

Outro fator interessante é que por em vida ter sido Franciscano, Santo Antônio é tido como um dos 3  Semirombas da Umbanda ao lado de São Francisco de Assis e São Benedito, ou seja, é uma das forças que compõem esse Ritual como veremos mais adiante nesse texto.

Resumidamente dessa falange se manifestam espíritos cristãos, que em vida tiveram alto grau de devoção a esse Santo e que por seu grande conhecimento e retórica impecável atuam doutrinando os espíritos encarnados e desencarnados na Umbanda.


  • A Falange de São Cosme e Damião


São Cosme e São Damião, os Gêmeos Médicos, encabeçam a segunda falange da Linha da Fé.

A falange de São Cosme e São Damião traz a força da cura dentro da primeira Linha. Dessa falange se manifestam muitos espíritos que tem domínio sobre a medicina, tanto a medicina clínica quanto a medicina espiritual/energética.

Dentro do aspecto de medicina clínica essa falange traz espíritos que em vida foram médicos, tendo inclusive entidades que fazem parte da corrente denominada Médicos do Astral, tão conhecida nos centros espíritas pela figura de Bezerra de Menezes.

Esses entidades não incorporam, mas podem ser evocadas através de orações para atuarem em cirurgias espirituais e para ajudar na conclusão de diagnósticos médicos não definidos pela medicina terrena;

Ou seja, em condições onde não se acha a causa de uma doença ou mal que assola uma pessoa, essa falange pode ser evocada para dar clareza de diagnóstico e orientar o tratamento.

Já no aspecto das Medicinas Naturais e espirituais, dessa falange veem as nossas amadas Crianças, espíritos de caráter infantil, muito deles encantados da natureza, que têm grande domínio e poder sobre os elementos da natureza promovendo cura.

As crianças têm acesso a energias EXTREMAMENTE puras que estão na natureza, fazendo com que através delas curas milagrosas possam ocorrer. Especialmente curas de aspectos emocionais, como traumas, medos, fobias e outros males que acometem a mente das pessoas.

Talvez por esse grande poder e atuação, a Linha das Crianças assumiu grande popularidade com o passar dos anos dentro da Umbanda, sendo em alguns terreiros uma Linha quase autônoma, tendo festividades realizadas costumeiramente no dia 27 de setembro.

Ainda dentro desse aspecto das medicinas naturais podemos citar os Falangeiros de Omulu ou “Omuluns” que nos primórdios da Umbanda também se manifestavam na Falange de São Cosme e Damião;

Essas entidades denominadas “Omuluns” geralmente são encantados da natureza que vem arcados, cobertos por um pano branco (mortalha) e trazem na mão uma vela branca. Atuam gerando cura através da transformação ou transmutação das energias da natureza.

Com o passar dos anos, essas entidades também foram assumindo determinada autonomia, principalmente após uma maior inserção dos Orixás Omulu e Nanã dentro da Umbanda a partir dos anos 40 e 50. Após essa aproximação essas entidades passaram a utilizar pipocas em seus descarregados e foram sendo alocadas nas chamada Linha das Almas.


  • A Falange de Santa Rita de Cássia.


Margherita Loppi, ou Santa Rita, é conhecida popularmente como a Santa das Causas Impossíveis.

Santa Rita é um expoente entre os Santos Católicos devido as suas histórias de superação quando encarnada e também pela notoriedade alcançada dentro da cultura Cristã mesmo sendo mulher.

Existem muitos milagres operados por Santa Rita enquanto encarnada, alguns deles você pode conhecer através desse texto aqui (https://perdido.co/2016/05/santa-rita-de-cassia/) do blog Perdido em Pensamentos.

Mas de uma maneira geral Santa Rita foi uma mulher EXTREMAMENTE devota que através de sua Fé superou desde as agressões do marido até a morte dos filhos, se tornando Freira e morrendo com quase 78 anos (o que era muito para época em que viveu).

Dentro da Umbanda encabeça a terceira falange da Linha da Fé, representando o ápice do poder feminino dentro da primeira linha.

Da sua falange manifestam espíritos PREDOMINANTEMENTE femininos, muitos deles encantados (salvos exceções quando se manifestam espíritos masculinos que em vida foram devotos da Santa)

Nesta falange também não há incorporação de espíritos e geralmente estes são chamados no ritual de Umbanda para harmonizar ambientes.

Os falangeiros de Santa Rita também trabalham muito no astral revelando “perfídias” dentro do terreiro, ou seja, fazem vir à tona fofocas ou línguas de cobra que atrapalham o bom andamento do trabalho dentro de uma casa de Umbanda.

No entanto, sua principal especialidade são os trabalhos relacionados a vícios, especialmente vícios químicos. Essa falange pode ser evocada para trazer cura e reabilitação a pessoas que estejam sofrendo por conta de drogas ou outros tipos de vícios. 

A principal oferenda de evocação a falange de Santa Rita leva mel, água, uma vela de Cera de Abelha e uma rosa vermelha, todos símbolos mágicos da santa.


  • A Falange de Santa Catarina de Alexandria

Santa Catarina de Alexandria, a Santa que combate os falsos profetas, encabeça a 4ª Falange da Linha da Fé.

Essa Santa é conhecida por em vida ter tido uma grande capacidade de argumentação e uma gigantesca sabedoria.

Diz a lenda que foi presa pelo Imperador Romano Maximiano por ser cristã e que receberia um castigo por suas falácias: Ser humilhada por todos os sábios da época.

Porém, diversas vezes quando colocada diante dos sábios pagãos foi capaz de argumentar e convencê-los a se tornarem Cristãos.

Santa Catarina por mais que não seja uma santa tão popular quanto os outros que comandam as Falanges da Fé, ganha notoriedade na medida em que foi uma das Santas que inspirou Joana D’arc durante a guerra dos cem anos.

Segundo Joana D’arc, por diversas vezes Santa Catarina lhe orientou durante os discursos que fazia durante a guerra, lhe inspirando as melhores palavras e argumentações para liderar durante as batalhas.

E é justamente por esse motivo que Santa Catarina encabeça a 4ª falange. Seus falangeiros assim como os de Santo Antônio atuam inspirando a melhores palavras para os médiuns, dando a estes uma capacidade retórica extraordinária para lidar com os espíritos obsessores. 

No astral, essas entidades trabalham durante as giras conversando com os espíritos perturbadores antes da realização de um transporte, fazendo com que estes fiquem mais sugestionáveis ao encaminhamento.

Sua falange é composta por devotos da Santa e demais espíritos doutrinadores e podem ser evocados por todos aqueles que querem aumentar sua capacidade de retórica. 


  • A falange de Santo Expedito


Santo Expedito, o Santo das Causas Urgentes, encabeça a 5ª Falange da Linha da Fé.

Muitos estudiosos e historiadores questionam a real existência de Santo Expedito, algo muito parecido com o que ocorre com São Jorge, entretanto, sua história mais aceita é que foi um Soldado Romano que em plena perseguição do Imperador aos cristão se converteu ao Cristianismo e foi martirizado por conta disso.

É tido como Santo das Causas Urgentes devido a uma lenda que conta que o “Diabo” aparece para ele em forma de um corvo e fica ao seu ouvido repetindo diversas vezes a palavra “Cras!”, “Cras!” que em latim significa “Amanhã!”...

Essa era uma tentativa de "Lúcifer" atrasar a conversão de Expedito, mantendo-o pagão por mais tempo e seduzindo-o a evitar as retaliações do Imperador.

Eis que num ato heróico Expedito pisa na cabeça do corvo e diz: “Hodie!” (Em latim, “Hoje”) afirmando que não ficaria mais um só dia sem seguir Cristo, independente das consequências.

Isso fez com que o Santo obtivesse uma alcunha como o Santo que não espera, o Santo das causas imediatas.

Dentro da Umbanda, Santo Expedito assume o arquétipo do Capelão Militar, ou Soldado da Fé.

Da sua falange se manifestam espíritos que em vida foram militares cristãos ou guerreiros que batalharam em nome da Fé.

Um fato curioso é que da Falange de Santo Expedito nasceu a Linha de São Jorge ou Linha de Ogum.

Por ser uma falange de Espíritos Militares essa falange passou a acolher todos espíritos de caráter mais bélico, dentre eles os Soldados de Janaína, que são entidades guerreiras da encantaria brasileira que já se manifestavam em outros cultos Brasil à fora.

Esses espíritos são conhecidos por nós hoje em dia como Ogum Beira-Mar, 7 Ondas, Beira Rio, Rompe Mato dentre outros.

Com o passar dos anos, essas entidades foram se dividindo em mais falanges e formando a 6ª Linha de Umbanda a linha de Ogum, que trataremos futuramente, mas alguns resquícios dessa origem ainda ficam expostas até hoje.

Por exemplo, hoje em dia é muito comum encontrar imagens de cera dos falangeiros de Ogum com roupas Romanas, o que é um resquício direto de quando essas entidades eram associadas a falange de Santo Expedito.

Os falangeiros de Santo Expedito geralmente atuam tanto na guarda dos terreiros quanto na condução de espíritos capturados para os trabalhos de desobsessão.


  • A falange de São Francisco de Assis

São Francisco de Assis, o Primeiro Semiromba, o homem mais puro a pisar na terra, depois do próprio Cristo, comanda a 6ª Falange da Linha da Fé.
São Francisco de Assis dispensa apresentações, pode ter sido o homem mais puro a pisar na terra depois de Jesus e sem dúvida foi o homem mais Cristão que já passou por esse mundo.

É conhecido principalmente por ter se desapegado de todas as suas posses para se tornar um monge e também por ter criado a ordem dos Franciscanos, conhecidos por seus hábitos marrons, seus votos de pobreza e seu cordão amarrado na cintura chamado Síngulo que representa a Obediência, Pobreza e Castidade dos franciscanos.

Na Umbanda traz em sua falange os espíritos conhecidos como Semirombas (que significa homens puros), pessoas que em vida alcançaram um alto grau de abnegação seguindo os ensinamentos de Cristo.

São espíritos que geralmente se apresentam como Freis, Freiras, Padres, Frades, Madres e geralmente trazem no seu nome o sufixo “da Caridade”, por exemplo, Madre Dulce da Caridade, Irmão Emmanuel da Caridade, dentre outros.

Também dessa falange se manifestam os Sakaàngas, espíritos que em vida foram Benzedores,  Rezadores, Raizeiros, Parteiros e figuras missionárias que usavam do poder da oração para Curar.

O grupo dos Sakaàngas segundo as lendas é comandado por figuras ilustres como Pai João de Camargo, Monge João Maria de Agostinho, Nhá Chica, Dona Geraldina, Tia Eva e Mestre Irineu (fundador do Santo Daime)

Na falange de São Francisco o médium Umbandista começa a aprender as bases do trabalho prático da Umbanda, pois os falangeiros (pelo menos antigamente) tinham a função de ensinar as duas maiores ferramentas para curar os males das pessoas: As Orações e Conjuros.

Essas habilidades, sejam empregadas na arte do Benzimento ou nas simples rezas e orações, têm poder de alterar o estado espiritual das coisas e das pessoas, gerando transformações na nossa saúde e no bem estar dos consulentes.

Portanto, essas entidades podem ser evocadas para guiar os Umbandistas no aprendizados das rezas, benzimentos, conjuros e outras ações espirituais que surgem do Poder do Verbo.

Essas entidades geralmente trabalham através da inspiração e transmentação, não havendo aqui também tradicionalmente trabalhos incorporados.


  • A falange de São Benedito
São Benedito, o Mouro, comanda a 7ª falange da primeira linha.
São Benedito nasceu na Etiópia e mesmo sendo analfabeto, tornou-se um monge franciscano fazendo belíssimas pregações, que segundo alguns devotos eram inspiradas por Deus.

É um Santo que, assim como Santo Antônio, era muito cultuado pelos povos Bantus antes mesmo do envio de escravizados para o Brasil.

Na falange de São Benedito se manifestam as conhecidas Almas Benditas (ou Corrente das Santas Almas), pessoas que alcançaram um alto nível de evolução espiritual e se desapegaram da matéria, trabalhando sem apresentarem uma identidade específica, são apenas Luz.

Essas almas atuam nos bastidores dos trabalhos encaminhando espíritos e auxiliando nas desobsessões

Da Falange de São Benedito surgem também os nossos queridos Pretos Velhos, que posteriormente vão se organizar de forma autônoma na 7° Linha a Linha Africana ou Linha das Almas.

Os Pretos Velhos de caráter mais cristão, benzedeiro e de certa forma “manso” surgem da Falange de São Benedito.

Geralmente são Preto Velhos do Povo de Angola, que em vida já tinham certa devoção a São Benedito.

É interessante observar que existem muitas semelhanças entre os elementos que os Pretos Velhos usam e os elementos que geralmente são relacionados ao culto de São Benedito.

Dois exemplos simples são: o Café, que é tradicionalmente oferecido tanto a São Benedito quanto aos Pretos Velhos nas segundas-feiras e também o Rosário que São Benedito sempre tem em suas mãos, o que pode ser uma possível base para os trabalhos dos Pretos Velhos na Umbanda.

É interessante perceber que a Linha dos Baianos também é uma descendente da Falange de São Benedito, afinal eles surgem dentro das Linhas dos Pretos, mais especificamente dentro do Povo da Costa e posteriormente assumem um papel de Linha Intermediária na Umbanda na medida em que começa a existir um movimento para se afastar Exu e Pombagira da Religião.

  • O trabalho Prático da Primeira Linha:
Agora que já conhecemos todas as falanges fica a pergunta:

“Tá, mas como se trabalha NA PRÁTICA com a Linha da Fé?”

E a verdade é que esses espíritos já são evocados no momento em que saudamos Oxalá na abertura das giras. Na medida em que são evocados passam a trabalhar dando suporte no astral para o trabalho que vai ocorrer.

Mas isso não significa que essas entidades não podem ser evocadas em outros momentos.

Como vimos anteriormente a Linha da Fé acima de tudo foi constituída para ser uma linha de PREPARAÇÃO para os médiuns Umbandistas, ou seja, antes mesmo de pensar em incorporação ou outras formas de trabalho a linha da Fé existe para ensinar as habilidades básicas de um bom médium: “As orações e conjuros”

As Orações, Rezas e Conjuros são elementos que eram empregados na maioria das práticas Umbandistas antigamente.

Antes mesmo de pensar em incorporação o médium aprendia a Benzer, ou seja, a tornar “Bento” as pessoas e os objetos para que pudesse gerar alguns alívios aos consulentes sem ter uma dependência direta dos espíritos.

Entretanto, com o passar dos anos esse entendimento foi se perdendo, tornando a incorporação o único meio pelo qual a maioria dos Umbandista sabe trabalhar hoje.

A forma prática em que os médiuns aprendiam essas habilidades eram o chamados Rituais de Semiromba.

O Ritual dos Semirombas e Sakaàngas era um ritual praticado nos primeiros anos de Umbanda que visava principalmente obter cura para os consulentes e firmeza para os médiuns que participavam da mesa.

Esse Ritual ocorria se baseando em práticas de certa forma “Católicas”, ou seja, era um Rito onde não ocorria incorporação, se usava rosários, se fazia orações Católicas, se cantava Hinos evocando os Santos e era comum se partilhar um pão à mesa, como uma forma de comunhão com Deus.

Através desse ritual, além de aprender Rezas e Conjuros, os médiuns buscavam a força necessária para realizar os trabalhos de Desobsessão que eram um dos principais focos dos trabalhos de Umbanda.

Os Umbandistas antigos tinham o entendimento que para fazer desobsessões era necessário demonstrar AUTORIDADE diante dos espíritos obsessores.

Essa autoridade se traduz em uma Fé muito firme, uma postura ilibada, uma busca constante pela reforma íntima e palavras muito convictas diante dos espíritos perturbadores.

Afinal, sem demonstrar essa AUTORIDADE como os médiuns poderiam expulsar, doutrinar e encaminhar espíritos que incomodavam os consulentes? Porque os espíritos obsessores obedeceriam um médium que não demonstra convicção ou que tinha os mesmos gostos e tendências que os obsessores?

É exatamente por isso, que os Rituais de Semiromba eram realizados. Era um momento dos médiuns fortalecerem sua fé através da força dos Santos Semirombas: São Francisco de Assis, Santo Antônio e São Benedito.

Esses 3 santos formavam a Tríade do Ritual de Semiromba. Geralmente suas imagens estavam sempre presentes a mesa.

Evocava-se São Francisco de Assis para que trouxesse o poder da Oração.

Evocava-se Santo Antônio para que trouxesse o poder da Argumentação para que os médiuns tivessem a convicção nas palavras necessária para encaminhar qualquer espírito.

E evocava-se São Benedito para que ele trouxesse a poder da Presença e da Firmeza para que os médiuns pudessem transmitir através da sua presença, a autoridade espiritual necessária para os trabalhos de desobsessão.

Através dessas 3 forças o Ritual de Semiromba era uma forma prática de preparar os médiuns para os trabalhos que estavam por vir. Uma forma de empoderar os Umbandistas contra as “forças do mal” que seriam tratadas no terreiro.

Esse era o principal trabalho prático direcionado a Linha da Fé. E caso você queira conhecer mais sobre o Ritual de Semiromba, indico o livro “Ritual do Rosário das Santas Almas Benditas” do Padrinho Juruá, que explica com riqueza de detalhes como ele ocorre.

Também temos um texto no blog tratando sobre os Semirombas que você pode ler clicando aqui: http://filhosdavovorita.blogspot.com/2017/02/a-linha-dos-semirombas-e-dos-sakaangas.html
  • Por fim…
Por fim, conseguimos entender que a Linha da Fé foi construída para ser uma Linha de suporte e preparação para o trabalho de Umbanda.

A magia Cristã está completamente presente nessa Linha e sem dúvida a Igreja Católica (quer gostemos ou não) faz parte da nossa ancestralidade como Umbandistas lado a lado com a cultura Africana e Indígena.

Diante disso, também percebemos que a Linha da Fé serviu de molde para grande parte das outras Linhas de Umbanda que com o passar dos anos na religião foram sendo constituídas até chegar no molde tradicional trazido em detalhes por Lourenço Braga.

Diante disso ficam as perguntas:

Por que essa linha perdeu popularidade?

Por que falar de Santos Católicos hoje na Umbanda é quase uma heresia enquanto ser “filho” desse ou daquele Orixá se tornou motivo de orgulho?

Por que o médium hoje se torna tão dependente da incorporação sendo que tem toda uma gama de ferramentas para serem aprendidas logo na primeira Linha de Umbanda?

Será que não estamos deixando morrer uma das Raízes da nossa religião na busca de construir uma Umbanda totalmente “padronizada”?

Será que não estamos vivenciando um movimento de desconstrução e revisionismo histórico, no qual algumas raízes estão sendo supervalorizadas em detrimento de outras?
São questões importante para serem levantadas, afinal caso não comecemos a resgatar nossas raízes, o que será da nossa Umbanda daqui alguns anos?

….

Autor: Lucas Martins
Revisão: Jefferson L. Grossl

Fontes:

“O Espiritismo, a Magia e as 7 Linhas de Umbanda - Leal de Souza”
“O Ritual do Rosário das Santas Almas Bendita - Pai Juruá”
“Trabalhos de Umbanda ou Magia Prática - Lourenço Braga”
“As 7 Linhas de Umbanda - Histórico e Evolução - Douglas Rainho”
“Organograma Umbandista - Linha, Falanges e Legiões - Douglas Rainho”
“As 7 Linhas de Umbanda - Falanges e Entidades - Carlos Zeferino’
"A História da Umbanda no Brasil - Diamantino Fernandes Trindade".





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